terça-feira, 26 de agosto de 2008

Ainda o Marco Fortes

Uma outra visão não com menos, nem com mais razão, eu acho.

Foi infeliz... mas eu também o sou, muitas vezes.

Por Rui Tavares, em 5dias

Oh meu Zeus, meu Zeus, vejam como estou indignado. Estou indignado, indignadíssimo!, com Marco Fortes, atleta português do lançamento do peso. Ao comentar o seu fraco desempenho nos Jogos Olímpico, Marco Fortes reconheceu que o seu corpo não responde tão bem de manhã: “de manhã é para estar na caminha — eu queria esticar as pernas mas elas só queriam estar na caminha”. Que é isto?! Em toda a minha vida, só ouvi um português dizer que “de manhã não funciono”: Sousa Franco. E foi preciso ter sido ministro das finanças duas vezes, presidente do tribunal de contas — um homem sério, portanto — para poder afrontar esse tabu.
Mas Marco Fortes fez pior: ainda teve o descaramento de sugerir aos outros atletas que valia a pena trabalhar para ir a Pequim, aos Jogos Olímpicos, pela “experiência”. O ultraje, o ultraje! Quem se julga este badameco para sugerir que participar num belíssimo evento desportivo, com atletas de todo o mundo, é uma boa experiência? Algum apóstolo do espírito olímpico?
Não sabe ele que o importante é só ganhar, ganhar pela pátria e pelos contribuintes que lhe “deram” uma bolsa, honrar a pátria e os contribuintes, dizer banalidades pela pátria e pelos contribuintes, ter juizinho pela pátria e pelos contribuintes?Se esteve demasiado distraído enquanto lutava pelos mínimos olímpicos para reparar que neste país toda a gente se levanta cedo, é o melhor das respectivas áreas e vive uma vida de sacrossanto respeito pelo contribuinte, os dias seguintes lho ensinaram, através de um coro escandalizado de comentadores, jornalistas e políticos, que não se pode — não se pode! — fazer humor com coisas sérias e apreciar o desporto e o mundo porque são simplesmente o desporto e o mundo. E se estava demasiado longe para ver toda aquela gente sisuda fazendo tsc-tsc-tsc com os músculos faciais bem espremidos, logo foi recambiado para Lisboa com um bilhete de avião suplementar — que o dinheiro dos contribuintes nunca é demais para dar lições a quem merece.
***
Pois bem, Marco Fortes, deixa-me tratar-te por tu: espero sinceramente que não consigam vergar-te, moldar-te, ajoelhar-te. Que neste país onde inventaram a lobotomia, não consigam lobotomizar-te: o resultado seria ver-te, como já vi na televisão, pedir desculpa pelas declarações “infelizes”. São agora declarações infelizes não culpar o árbitro mas a si mesmo, reagir como se não fosse o fim do mundo e sugerir que estar nos Jogos Olímpicos é, por si só, uma experiência fantástica? Que diz isso sobre nós como país, não desportivamente, mas moralmente?
Como muitos portugueses dei por mim emocionado com a medalha de ouro de Nelson Évora. Mas deixou-me desconfortável saber que, à mesma hora, não poderias estar ali para festejar com o teu colega. Não pensaram os senhores burocratas que para haver um Nelson Évora houve outros Marco Fortes que participaram nas mesmas provas, e que os Jogos Olímpicos são feitos de muitos não-campeões, e feitos para eles também? Não; tinham de condenar-te a um castigo inútil e sem objectivo que deveria estar reservado para quem faz batota ou recorre ao doping.
Quem te condenou, caro Marco, está já condenado: a uma vida sem humor, a ter de provar que é sério, mais sério do que toda a gente. É uma vida triste e seca. Como atleta, poderias só lhes dar ouvidos quando eles conseguirem chegar aos mínimos olímpicos. Eu sugiro outra opção: só ligar à indignação dos comentadores portugueses, dos jornalistas portugueses, dos portugueses portugueses, quando um dia eles conseguirem não estar sempre indignados por qualquer coisa.

4 comentários:

André Lage disse...

Os Jogos Olímpicos actuais são para atletas de alta competição. Ponto. Claro que também há lugar no mundo para os Marcos Fortes descritos no texto... eu ainda hoje fui jogar à bola com um grupo de bons rapazes e não me chateei nada com aquilo. Claro que há lugar para este espírito de "experiência só pela experiência". Nos J.O. é que não. Aí vai-se para competir por uma vitória e vão os que estão dispostos a isso.

Zé Rui Peixoto disse...

As declarações foram infelizes, de facto.
Mas quem sou eu, tu ou nós (os Portugueses todos...) para enxovalhar um atleta, o melhor português do lançamento do peso, que foi aos Jogos Olímpicos por mérito próprio?
Se lá foi, é porque sacrificou, ambicionou e venceu.

O nosso medalhado de ouro, Nélson Évora, ficou em 40º em Atenas 2004.
No fim disse que lá tinha ido para "aprender".
Para além de bom rapaz, foi feliz...

Mais infeliz, ainda, é ouvir o senil do Vincente Moura, ontem na RTP1, a "pedir" a re-eleição para o COP, e a dizer que a Telma Monteiro e Naide Gomes tinham sido uma desilusão para os anos de trabalho que ele e a sua equipa (não referiu as atletas...) tinham tido!

o_invicto disse...

Concordo com o Ze. Os atletas que lá foram foi com grande esforço e dedicação deles próprios, muitas horas de treinos nem sempre nas melhores condições (ex. Gustavo Lima quase a treinar sozinho e o do tiro que tinha que desbastar as árvores para poder treinar).
Portanto o que se pode pedir é o melhor que conseguirem fazer porque com as condiçoes deste país para praticantes desportivos só com muita carolice se consegue ir a uns Jogos Olimpicos.

PS: Lage,nao vou poder ir estrear a tua casa nova mas prometo lá ir.

Abraço

André Lage disse...

Esse Vicente Moura é um atrasado mental. Demite-se depois já não se demite, foi uma vergonha depois já foi um êxito... Para além dessa de andar a colher méritos que não são dele. Enfim, mais um que estava bem debaixo de uma lápide...